Como a família pode ajudar os filhos a lidar com a incerteza

Em 2020, tivemos que lidar com a incerteza e não foi nada fácil. Essa condição angustia principalmente crianças e adolescentes. Veja como ajudá-los.

O ano de 2020 foi marcado por uma série de crises nas áreas de saúde e educação, econômica, social e psicológica. Vivenciamos um universo de incertezas e medos. Como será 2021? Igual, melhor ou pior que o ano passado? Será que já vivenciamos o “novo normal” ou ele ainda irá acontecer?

Já estamos cansados de tantas (des)informações, textos e memes sobre experiências desagradáveis. Essa enxurrada de conteúdo vem acompanhada de uma boa dose de medo e de incerteza.

Se para adultos enfrentar essas questões é difícil, para crianças e adolescentes lidar com as dúvidas da vida é ainda mais desafiador.

Neste contexto, as competências socioemocionais são fundamentais e necessárias e devem ser desenvolvidas e estimuladas desde cedo.

A importância do estímulo das competências socioemocionais

Crianças e adolescentes costumam ficar inseguros diante da incerteza. Muitas vezes, eles são imaturos para resolver problemas sozinhos ou, quando o fazem, podem não optar por soluções saudáveis. Para que sejam assertivos, é preciso que tenham a capacidade de tomar decisões, uma habilidade que necessita de treinamento.

De acordo com Piaget, é por volta dos 12 anos que as crianças começam a ter raciocínios abstratos e a ser menos autocentradas. No início da adolescência, passam a considerar consequências futuras das ações presentes.

A adolescência é uma fase em que o cérebro sofre mudanças físicas, ou seja, ele “não está pronto”. Por isso, a incerteza e o risco são analisados de maneiras diferentes, já que os jovens têm dificuldade de compreender as consequências de longo prazo. Nesse contexto, a família tem papel fundamental para ensinar a enfrentar os medos e a tomar decisões saudáveis.

Quais as principais incertezas de crianças e adolescentes?

Essa é uma pergunta que traz em si uma série de reflexões profundas e de amplitude significativa e, para respondê-la, se faz importante compreender o desenvolvimento humano. Afinal, crianças e adolescentes vivenciam constantemente descobertas, mudanças, avanços, novas aquisições e crescimento.

Desde a concepção, a cada instante e de forma singular, eles passam por esses processos que vão desde a aquisição da fala ou do andar, a aprendizagem escolar até as inquietações da adolescência, com todas as suas transformações biopsicossociais. São mudanças intensas, especialmente nos vinte primeiros anos de vida, que resultam em avanços no plano do pensamento, sentimento/emoções, comportamento etc. para níveis de complexidade ainda maiores.

Neste contexto, os pais e/ou cuidadores têm a função de cuidar e de educar para que os filhos construam autonomia, independência e comportamento adaptativo. É preciso dar atenção aos aspectos físico, emocional e social, visando o desenvolvimento saudável e atuando como correguladores/modelos de como lidar com as demandas e eventos estressores e de incertezas.

Sendo assim, suportes recheados de afeto, reciprocidade, encorajamento, ensino, comunicação positiva para o desenvolvimento de habilidades e competências socioemocionais (autonomia, autoconhecimento, autocuidado, tomada de decisão, criatividade, pensamento crítico, determinação) são fundamentais.

As mudanças de comportamento provocadas pela incerteza e o estresse

É importante que os pais observem as mudanças de comportamento em seu filho. Nem todas as crianças e adolescentes respondem ao estresse e às incertezas da mesma maneira.  Algumas mudanças comuns a serem observadas incluem:

  • Choro excessivo ou irritação em crianças pequenas;
  • Retorno de comportamentos já superados;
  • Preocupação ou tristeza excessiva;
  • Hábitos alimentares ou de sono não saudáveis;
  • Irritabilidade e comportamentos de “atuação” em adolescentes;
  • Baixo desempenho escolar ou evitação às atividades escolares;
  • Dificuldades de atenção e concentração;
  • Dores de cabeça inexplicáveis ou dores no corpo;
  • Uso de álcool, tabaco ou outras drogas.

Como incentivar os filhos a tomar decisões saudáveis?

Medidas simples podem ser adotadas para manter a estabilidade, equilíbrio, estruturação e organização do ambiente familiar, ajudando os filhos a tomar decisões saudáveis. Confira:

  • Estabelecer horários e rotinas de tarefas;
  • Dividir responsabilidades entre os familiares;
  • Organizar os espaços possíveis em cômodos ou cantos com os materiais para as diferentes finalidades (trabalho, estudos e lazer);
  • Manter ativo o exercício de autonomia e controle realizando escolhas e tomadas de decisões saudáveis, sempre mediante a análise de alternativas possíveis;
  • Preservar os horários prazerosos de brincadeiras, conversas e leituras dirigidas às crianças da casa;
  • Estabelecer comunicação positiva com os adolescentes atendendo às suas dúvidas e ouvindo com atenção e acolhimento comentários e expressões de sentimentos e emoções, principalmente das incertezas atuais e futuras;
  • Conversar com os filhos sobre as limitações e restrições necessárias no momento;
  • Evitar excessos de notícias e comentários negativos sobre o atual momento;
  • Compreender que nas crianças, por serem mais vulneráveis e dependentes, podem surgir ou acentuar-se algumas dificuldades funcionais (sono, alimentação e controle dos esfíncteres) ou comportamentais: agitação, birras, agressividade, isolamento e timidez. Ainda, podem regredir em algumas aquisições previamente adquiridas (fala “infantilizada”), dificuldade de autocuidado e higiene, o que vai exigir maior tolerância e ajuda, sem punições verbais ou físicas;
  • Dialogar e responder as perguntas de uma maneira que seu filho possa entender. Crianças têm uma forma encantadora de ver as coisas.

A incerteza gerada pela pandemia

Além das dicas já citadas, o atual momento exige ainda mais atenção e conexão familiar. Veja como agir!

  • Faça pausas, coma e durma bem e pratique exercícios.
  • Conecte-se com amigos e familiares e mostre solidariedade. Este é o momento de desenvolver sentimentos mais fraternos e sentir-se parte da família-humanidade.
  • Passe tempo com seu filho em atividades significativas: entregue-se a cozinhar como hobby, por exemplo. É uma diversão em família seguir os passos de uma receita e ver os ingredientes se combinando para se tornarem uma comida saborosa.
  • As crianças ficam agitadas em casa? Esconda objetos e coloque-as para procurá-los; espalhe papeis pelo chão, sente-se ou deite-se ao lado deles e rabisque com aquelas “obras de arte” retidas em você desde a infância. Enfim, seja imaginativo e dê um “pause” no seu “modo adulto” de viver.
  • Povoe de boas ideias e imagens a sua mente, através de recursos que substituam as formas mentais de angústia, ansiedade e incertezas. Como diz o dito popular “Mente vazia é oficina do diabo!” Desta forma, vocês estarão se ajudando mutuamente, enfrentando as incertezas, superando-as e sendo resilientes.

Transforme a incerteza em possibilidade de evolução

É certo que vivenciamos um momento cheio de incertezas, mas se refletirmos sobre o que cada dia nos ensina, podemos transformar as dúvidas em possibilidades de evolução para que saiamos desta fase mais fortes e saudáveis.

Deve-se evitar, de um lado, a negação da realidade ou o enfrentamento mágico e fantasioso e, de outro lado, o pensamento negativo catastrófico que leva a dramatização e a autossugestão. Essas são estratégias de enfrentamento emocional mal adaptativo, de fuga de problemas, que minam a competência e a percepção de autoeficácia da pessoa para lidar com a situação, levando ao desamparo e à depressão.

Diante das incertezas que surgem, pergunte a si mesmo: o que eu posso fazer de fato para mudar ou para influenciar mudanças nesta situação? Se a resposta for nada, aprenda a desapegar e a focar a sua atenção naquilo que efetivamente você é capaz de controlar e influenciar.

Para isso, é essencial cuidar de sua saúde emocional. Assim, será possível pensar com clareza e reagir às necessidades urgentes de proteger você e sua família. Tenha tempo para relaxar e fazer atividades que lhe dão prazer. Respire fundo, alongue-se ou medite.

Conecte-se com outras pessoas, com a sua comunidade ou organizações religiosas. Converse com aqueles que confia sobre suas preocupações e como você e seus filhos estão se sentindo. Enquanto as medidas de distanciamento social estiverem em vigor, considere conectar-se on-line, por meio de mídia social, por telefone ou cartas.

Tudo muda o tempo todo e, portanto, é incerto. Buscar certezas é um contrassenso, porque é literalmente impossível garantir que o futuro acontecerá da forma como nós desejamos.

Então, é importante compreender que a incerteza faz parte da vida. Em Hamlet, Shakespeare disse: “Nada em si é bom ou mal. Tudo depende daquilo que pensamos”. Quando buscamos certezas, estamos fadados a frustrações constantes. Portanto, gaste energia com aquilo que de fato está dentro do seu controle, aprenda com o novo “normal” na trajetória e estimule seus filhos a fazerem o mesmo.

Fonte: Escola da Inteligência.